quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

MEC gasta R$ 110 mi em tablets sem plano pedagógico prévio



Valor é o mínimo estimado em leilão; ministério vai comprar, com Estados e municípios, 900 mil máquinas

Governo reconhece que métodos de ensino serão desenvolvidos na prática; professores e alunos usarão aparelho

Breno Costa
Renato Machado
de Brasília |
Folha de S. Paulo

O MEC (Ministério da Educação) vai gastar sozinho cerca de R$ 110 milhões na compra de tablets para serem usados em sala de aula sem ter produzido um estudo definitivo sobre o uso pedagógico dos aparelhos.

Conforme a Folha revelou ontem, o MEC iniciou na semana passada, sem alarde, uma licitação para a aquisição de 900 mil tablets.

A compra total será de, ao menos, R$ 330 milhões, valor mínimo estimado em leilão. Só um terço dos aparelhos ficará com o MEC. O restante deverá ser adquirido por Estados e municípios.

Questionada, a pasta afirmou que o desenvolvimento do método pedagógico vai acontecer na prática, após a aquisição das máquinas.

Os equipamentos serão usados na formação de núcleos, como parte de um plano piloto, em que professores e alunos trabalharão com os tablets para depois disseminarem o aprendizado.

Para efeitos de comparação, o programa Um Computador Por Aluno, do qual a compra dos tablets faz parte, teve um início diferente. Na ocasião, foram fechadas parcerias com universidades que trabalharam no desenvolvimento de conteúdo e na avaliação da nova tecnologia.

Coordenadora do programa ministerial no Sul e no Amazonas, a pesquisadora da UFRGS (Federal do Rio Grande do Sul) Léa Fagundes é favorável ao uso do tablet, mas diz que a discussão sobre a compra do aparelho não passou por pedagogos.

A única audiência pública realizada pelo MEC para subsidiar a compra, em agosto, envolveu só aspectos técnicos, como sistema operacional e tamanho de tela, e não as questões educacionais.

O receio dela é que o tablet seja usado para reforçar o padrão educacional existente. "Tenho medo é de que os governos estejam comprando porque nele cabem 300 livros didáticos. Então, o paradigma não muda", diz.

AUTONOMIA

O plano do MEC vai nessa direção. A pasta afirma que uma das vantagens do tablet é poder incluir toda a biblioteca do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) num aplicativo.

O professor da PUC-SP Fernando José de Almeida diz que o MEC só deve dar a diretriz inicial, cabendo a Estados e municípios cuidar de projetos pedagógicos.

Almeida também defende que uma parte do aprendizado seja feito na própria sala de aula. "Precisa ter um plano pedagógico, mas também é necessário dar autonomia aos professores", afirma.

O edital para a compra dos equipamentos foi lançado no fim do ano passado, ainda na gestão de Fernando Haddad.

O seu substituto, Aloizio Mercadante, é um entusiasta do uso da tecnologia na educação. Em sua posse, dedicou boa parte do discurso para tratar dos benefícios de computadores, tablets e outros.

Análise

Professor deve ser capacitado para a nova maneira de dar aula

Sérgio Amaral
Especial para a Folha

A aula tradicional está cada vez mais mediatizada pelas tecnologias digitais.


Começamos com a introdução do computador, passamos pela lousa digital, até chegarmos aos tablets.

Para os professores, a introdução dos tablets em sala de aula deverá trazer uma grande mudança na maneira de dar aula, de apresentar e de discutir o conteúdo com seus estudantes.

O problema não é com os alunos, mas com os professores. Precisamos capacitar os docentes para a utilização didática dos tablets no desenvolvimento das atividades pedagógicas em sala de aula.

O professor necessita de uma mudança na maneira de ensinar, precisa de uma adaptação do material didático.

É fundamental desenvolver atividades em sala de aula com conteúdos que efetivamente utilizem os recursos tecnológicos dos tablets.

O tablet é pequeno, apresenta certa dificuldade de realizar anotações e outros problemas se compararmos com o livro didático.

Mas apresenta recursos com a convergência multimidiática e a conexão com a internet que facilitam a busca e a integração de conteúdo, contribuindo com o processo de aprendizagem.

Para tanto, é necessário que a capacitação dos professores não seja somente instrumental, mas contextualizada na potencialidade e na limitação da tecnologia.

Deve incluir como são as novas formas de interagir, a linguagem e a construção de conteúdo e como incorporá-las nos processos de ensino e de aprendizagem.

Só assim, de fato, estará justificado o uso de tablets em sala de aula, como efetivo instrumento do aprender.


Sergio Amaral, 58, é livre-docente e coordenador do Laboratório de Novas Tecnologias Aplicadas na Educação, na Faculdade de Educação da Unicamp

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